Autoestima tamanho GG

18/04/2011 17:44

Bem resolvidas em tudo, elas se unem em prol da aceitação e da troca de informações. É hora de aliviar esse preconceito duplo (de ser negra e gordinha) e trazer à tona outra realidade de sucesso

O que Queen Latifah, 40 anos, Oprah Winfrey, 56, e as premiadas estrelas do filme Preciosa, Mo’Nique, de 42 anos e Gabourey Sidibe, de 26, têm em comum? Todas são negras e esbanjam elegância e voluptuosidade, e chamam a atenção de todos os críticos de plantão pela maneira como se relacionam com suas curvas e aparência de forma tão natural. E no quesito atitude, elas dão um banho de estilo.
Na Renascença, mulheres gordinhas eram o padrão de beleza da época e sinônimo de sensualidade. Musas inspiradoras de grandes artistas, como Michelangelo Buonarroti e Leonardo da Vinci, tinham curvas femininas e volumosas. Já no Brasil modernista, avesso ao abstracionismo, o pintor Di Cavalcanti tinha preferência por figurações de temáticas voltadas para o social e adorava pintar as mulheres brasileiras, principalmente as mulatas, devido à sensualidade.
Atualmente o que vemos nas revistas, na publicidade, na televisão, no cinema e nas semanas de moda são modelos lindas, quase sempre magérrimas, à la Gisele Büdchen. Mas, se fisicamente as gordinhas não se reconhecem nas capas de revista, é porque o padrão mudou, porém, não foi esquecido.
Foi nas passarelas da última Semana de Moda em Londres que apareceram as primeiras tendências para o outono-inverno 2010/2011, da grife Mark Fast que incluiu, não apenas modelos plus-size em seu casting, como também roupas que acentuam os corpos exuberantes das modelos. Na Fashion Week de Milão, a marca feminina Elena Miró já havia apresentado na abertura de seus desfiles looks para mulheres de tamanho acima de 46. Claro que em ambas as ocasiões, houve quem não aprovasse a nova tendência em um mundo onde o 38 parece ser unanimidade. Mas o mercado editorial e os fabricantes de roupas começam a ver com mais atenção este público consumidor. A modelo Kate Dillon, que ilustra atualmente inúmeros editoriais de moda para gordinhas, é capa da edição da Vogue americana, vestindo um justíssimo colant tamanho extragrande, e conta na revista sua trajetória de ex-modelo , até a sua chegada ao posto de supermodel com o aumento de peso e, consequentemente, da numeração. Já a versão italiana da revista criou uma seção, a Vogue Curvy, dedicada às mulheres mais cheinhas, com preciosas dicas de lojas e combinações que valorizam as formas volumosas. Foi um sucesso entre as leitoras! A publicação americana V Magazine trouxe em uma edição a atriz Gabourey Sidibe na capa e, como recheio, um editorial inteiro só de modelos plus-size, com estilo pra lá de sexy.


“A mulher tipicamente brasileira, a que tem um corpo diferenciado por seu tamanho, já sofre preconceito duplamente. Sendo negra, triplamente: primeiro pela cor da pele, depois por ser gorda e, muitas ainda sofrem discriminação por não conseguirem se adequar aos rígidos padrões da moda”, diz Sandra Ebener, jornalista e criadora do site Mundo G+, voltado para assuntos sobre mulheres e pessoas gordinhas, gordas ou obesas, enfi m, pessoas diferentes do modelo padrão, como ela diz. “Agora chegamos à TV, com o Programa Fashion & Plus que, apesar do pouco tempo no ar, já disse a que veio”.

Fartura e beleza
Quando a estudante de psicologia Bruna Fernandes passa na rua com seu corpo de 1,75 e seus 85 quilos bem distribuídos, costuma chamar a atenção. “Como toda mulher, gosto de usar vestidos, saias e roupas que valorizem o meu corpo estilo violão”. Com suas curvas, ela gosta de valorizar os quadris largos com blusas mais justas e decotadas, “mas sem parecer vulgar”, explica. A jovem de 22 anos sabe que, por motivos de saúde, é necessário cuidar do peso, por isso frequenta academia com regularidade e procura não se descuidar da alimentação. “Os números não me assustam, mas me cuido por questões de saúde mesmo”.

Assumir uma personagem ‘fêmea fatal’ quando se deseja, não é para qualquer uma, e sim para quem escolhe. Quem imagina que mulheres com curvas bem modeladas são tristes e depressivas, pode se surpreender. “Sou negra, linda e GG assumidíssima. Nunca deixei de me sentir bonita e elegante. Estou muito feliz com o meu corpo”, diz Moni Barros, 33 anos, 1,62m, 82 quilos, e que faz desfiles e eventos de moda plus size. “Adoro minhas pernas e até pela dificuldade de encontrar calças que caiam bem, uso muita saias, sapatos de salto e vestidos. Percebo que não só homens, mas as mulheres me olham na rua de baixo para cima, literalmente, porque tenho sapatos bem ‘diferenciados’, e pernas bonitas”, diz, com seu jeito superconfiante. Moni também não se descuida da saúde e vai sempre ao médico. “Aprendi a conduzir a minha vida da melhor forma possível e sou feliz”, conta Moni, sempre sorrindo.

Gordas, não. Mulheres reais!

Assim como Moni, muitas são as gordinhas que não descem do salto, nem perdem o rebolado por que estão acima do peso. Dani, como é conhecida Daniela Lima, de 21 anos, é formada em enfermagem e trabalha como consultora da loja Carlota, especializada em moda GG, no Rio de Janeiro. Dani também é colunista no blog Mulherão. “Conheci a Renata Poskus, idealizadora do blog, que estava organizando um Dia de Modelo, evento onde reunimos 15 gordinhas que passam um dia inteirinho se preparando para uma sessão de fotos individuais, com direito a fotógrafo profissional, maquiagem, cabelo e três trocas de roupa que são cedidas por diversas grifes GG apoiadoras do blog”. Tudo é organizado com o intuito de que se sintam verdadeiras modelos e saiam com um book para guardar ou presentear alguém. O blog Mulherão até então funcionava mais como um diário pessoal de Renata Poskus, onde ela desabafava sobre a sua relação com remédios para emagrecer. “Depois desta mudança ganhei uma minilegião de mulheres que visitam o site pra ver minhas dicas e interagir, contando suas experiências como mulheres gordinhas”, explica Daniela Lima.
Georgia Assis, de 28 anos, trabalha como supervisora de callcenter e estuda publicidade. Ela se considera atraente, adora ressaltar seus seios e acha que sua boca e seus olhos são o diferencial. Mas, nem sempre foi assim “Estava deprimida, por conta do término de um relacionamento, com a autoestima no pé, além de desempregada. Comecei a fuçar na internet e descobri num site de relacionamentos diversas pessoas como eu e cheguei a uma comunidade de mulheres que trabalhavam como modelos GG. Passou tudo”, conclui. Geórgia acabou fazendo novas amizades, fez um book, arrumou um novo emprego e ainda trabalha como modelo nas horas vagas. “Tudo já foi muito pior”, diz, com alegria na voz.

“Sou um mulherão negro”

Nanda Soul tem 26 anos e é funcionária pública, formada em gestão de recursos humanos.
Atualmente está solteira, porém... “envolvida com uma pessoa que amo muito, mas nada oficial, ainda”, diz, com bom humor. Nanda, cheia de alegria e confiança, é modelo plus size e sempre procura valorizar seu corpo. Autoestima para ela é palavra de ordem. “Somente você pode permitir que alguém acabe com sua autoestima, ninguém tem poder para isso a menos que você conceda. As pessoas nos veem como nos sentimos, se você se ama, os outros vão lhe amar e aceitar como é. O importante é se olhar e enxergar a própria beleza, a partir daí, ninguém mais tem o poder de lhe derrubar ou colocar rótulos”, ensina.
Problemas em aceitar seu peso, ela não teve, pelo contrário, custou a perceber o quanto tinha engordado. “Tenho 1.78 de altura, pesava 63 kg e meu rosto era magro demais, o que deixava meus olhos maiores do que são. Aos 19 anos comecei a engordar, as pessoas começaram a elogiar as minhas novas curvas, depois percebi que os elogios haviam diminuído, foram 23 kg em nove meses, sem justificativa médica, pois todos os meus exames deram normais, por incrível que possa parecer. Contudo eu olhava no espelho e me via como antes, só percebi o quanto havia engordado quando fui vestir um jeans preferido e ele nem sequer fechou. Não me desesperei, nem com a dificuldade de comprar roupas no estilo que gosto. Passei a comprar jeans masculino e os modelava a meu gosto. Todos perguntavam onde eu tinha comprado (risos). Eram exclusivos!
E sobre seus relacionamentos amorosos, Nanda Soul confessa. “Depois que engordei passei até a namorar com mais facilidade, os homens começaram a me notar. Olho-me no espelho todos os dias e enxergo um Mulherão Negro cheio de curvas e acredito que os outros também

Mercado plus
A polêmica em torno da exclusividade de modelos supermagras nas passarelas e nas revistas de moda parece estar abrindo novos caminhos no mercado. A agência de modelos Ford Models, uma das mais tradicionais do mercado, inaugurou recentemente o departamento Ford +, para cuidar exclusivamente de modelos de manequim maior que 42 (que, na verdade, ainda não é o tamanho de roupa de uma mulher que possa ser chamada de gordinha). A Ford+ acredita que exista espaço profissional para elas. Em comunicado, a empresa informou que a proposta é “abrir um novo mercado para mulheres lindas e com medidas que diferem do padrão do mercado da moda”. A agência diz ainda acreditar que, como nos Estados Unidos, no Brasil existe espaço profissional para modelos plus size em campanhas e editoriais de moda. Com tanta discussão acerca das formas do corpo, estaríamos passando por um processo de redefinição dos padrões do belo e da estética corporal, onde a ditadura da magreza soa ultrapassada? A resposta pode ser subjetiva, mas que novos olhares sobre a relação entre corpo e forma estão sendo lançados e que o assunto está na moda, isso não se pode negar. E nos próximos meses vamos ouvir falar, e muito, em Plus Size, Big Beauty e XXL.
O que era apenas referência para tamanho grande, já é uma tendência de moda, digna de estampar páginas de grandes publicações. “Se existe uma legião de mulheres acima do peso considerado ‘normal’, e elas manifestam o desejo de se verem representadas na mídia e na moda, por que não incentivá-las?”, diz Sandra Eberner. “Faço isso com a maior satisfação”, declara.

Preço maior

De acordo com Patrícia de Cássia, de 24 anos, seu excesso de peso vem desde a infância. “Na adolescência notava quando saía com as amigas, que eu ficava de lado e achava que era por isso”. Só com o tempo Patrícia notou que não era esse o problema. “Precisava me aceitar e só assim os outros iriam me aceitar como eu sou”, diz, para quem o aprendizado a levou a se achar bonita e interessante como é. “Peso e aparência não me incomodam mais”, conclui Patrícia, que foi convidada por três agências de modelos GG e trabalha com desfiles e eventos. “Acabei fazendo book e trabalhando com isso”, diz Cássia, que hoje destaca seu belo corpo em roupas que encontra com certa dificuldade, já que prefere os mesmos modelos feitos para mulheres magras. “Mas sempre acabo achando alguma coisa, embora pague mais caro por elas”.
É nítida esta diferença de preços em roupas para ‘gente grande’. Assim como Cássia e Georgia Assis, a maioria das entrevistadas gosta de se vestir bem e gasta uma pequena fortuna com sapatos e acessórios, maquiagem e todos os itens que qualquer mulher gastaria. Embora ainda exista um grande estigma com relação aos tamanhos grandes, no mercado de moda algumas marcas estão dispostas a mudar sua imagem (e de seus licenciados). Mas mesmo que mais estilistas se disponham a aumentar a numeração de suas peças, ainda existe a questão do mostruário. É que as peças fotografadas pela imprensa são confeccionadas em tamanho 36/38. Isso deve mudar também.