Sexo e estupro Eu!!!

26/08/2010 20:30

 

Resolvi me concentrar na minha saúde e procurei um infectologista. Meus primeiros exames de sangue deram negativo, mas o HIV leva de três a seis meses para aparecer. O médico sugeriu que eu iniciasse um tratamento com coquetéis. Nesse dia, minha mãe, vendo o meu nervosismo, começou a desconfiar do estupro. No fundo, ela já sabia, mas não perguntava nada. Meu pai só pensava em chamar os vizinhos para achar os assaltantes.

Fazia cinco dias que eu tinha pesadelos, não parava de pensar no estuprador. Senti que precisava retomar a vida, então resolvi ir à faculdade. Fui recebida com o maior carinho e desabafei com uma amiga, filha de um médico. Ela sugeriu que a gente fosse conversar com o pai dela. Pela primeira vez consegui contar tudo, nos mínimos detalhes. Ele me indicou outro infectologista, que me explicou que o ideal é tomar o coquetel até 24 horas após o estupro. Senão é melhor esperar os três meses que o vírus leva para aparecer. Além de conviver com essa dúvida, eu andava com medo de tudo: não conseguia sair sozinha nem ficar na casa dos meus pais, a poucos metros de onde havia sido estuprada. Fui morar na casa do Bruno.
 

''Perguntei ao meu namorado se ele ainda me desejava. Ele chorou comigo, disse que o nosso amor era superior a tudo. Dormimos juntos por um mês sem fazer sexo "

Uma semana depois do estupro, minha mãe me ligou contando que um rapaz com as mesmas características tinha estuprado uma menina de 16 anos, virgem, no mesmo local. Indignada com o caso da menina, procurei uma pessoa do departamento de jornalismo da emissora em que trabalhava e dei uma entrevista, sem mostrar o rosto, encorajando outras vítimas a denunciar o estuprador e buscar ajuda médica. No dia seguinte, dei outro depoimento, com nome fictício, para a repórter de um jornal, que investigava uma onda de estupros na cidade. A sensação de estar ajudando outras vítimas me fez bem.

Quando a entrevista saiu no jornal, disse à minha mãe toda a verdade. Conversamos trancadas no quarto. Tirei um peso das costas e, a partir daí, pude compartilhar tudo com minha mãe. Ela contou ao meu pai. Ele só perguntou se eu era virgem no dia em que aconteceu e ficou aliviado ao saber que não. Até hoje ele chora quando vê um caso de estupro na TV.

Duas semanas depois, dois policiais me procuraram com a foto de um rapaz preso por estupro. Senti um calafrio: era ele. Soube que tinha 20 anos, era filho único de pais humildes e já tinha cometido um estupro há dois anos, mas foi solto por ser menor. Dessa vez seria diferente.

Com a intenção de me animar, muita gente vinha me falar dos sofrimentos que o estuprador estaria enfrentando na cadeia. No começo, eu pensava: 'Bem feito!'. Depois aquilo passou a me incomodar. Quando sentia raiva, procurava pensar em coisas positivas, para não alimentar o ódio. Não o perdoei, mas não desejo mal a ele. O que sinto é desprezo.

Depois de seis meses comecei a fazer terapia com um psicólogo, que durou dois anos. O tratamento me ajudou a recuperar o bom humor e a acreditar que poderia ter uma vida normal. Aos poucos, retomei a vida sexual. Logo depois do estupro, perguntei ao Bruno se ele ainda me desejava. Ele chorou comigo, disse que o nosso amor era superior a tudo. Dormimos juntos durante um mês sem fazer sexo. Uma noite, beijo daqui, beijo dali, deixei acontecer. Não foi como antes, me senti invadida, lembrei do estupro, mas procurava me concentrar no Bruno, no nosso amor. Mesmo assim, as primeiras vezes foram difíceis. Demorei mais de um ano para voltar a ter orgasmo. A dúvida em relação ao HIV também foi um tormento. Durante um ano, tive de repetir o exame a cada dois meses.

O que mais me ajudou, além da terapia e das pessoas iluminadas com quem contei, foi ter agido. Ter denunciado, dado entrevistas, reconhecido o estuprador, tudo isso me deu força para não me sentir a eterna vítima. Eu me recusei a ter pena de mim mesma. Hoje, só penso no que aconteceu quando vejo uma cena de estupro no cinema. Mas é como lembrar de um pesadelo que passou.

Em 2002, o estuprador foi condenado a 20 anos por quatro estupros -outras três moças o denunciaram. Uma delas contraiu o HIV. Achei a pena curta por tudo o que ele fez. Hoje há uma discussão em torno do aborto em casos de estupro. Acho que a mulher deve ter sempre esse direito. Se eu tivesse engravidado, como teria um filho de alguém que me fez tão mal?

Apesar do sofrimento, esse pesadelo me despertou para uma realidade distante do meu mundo: doentes terminais, saúde pública precária, polícia despreparada. Acho que fiquei mais madura, mais sensível. Resolvi estudar jornalismo e faço parte de um grupo de apoio a crianças órfãs soropositivas. Depois de dois anos, meu namoro com o Bruno terminou, mas seremos eternamente amigos. Fui morar sozinha e logo conheci o Ricardo*, com quem vivo outra história de amor. Acho que nada é por acaso, todas as dores são provas. Espero que a minha história ajude as mulheres que passaram pelo que passei a acreditar que é possível voltar a ser feliz."