Violadas e feridas. Dentro de casa
A maioria dos molestadores sexuais de crianças tem a confiança das vítimas: são seus pais, padrastos ou parentes.
Laura Diniz e Leonardo Coutinho
A família e a própria casa são a maior proteção que uma criança pode ter contra os perigos do mundo. É nesse ninho de amor, atenção e resguardo que ela ganha confiança para lançar-se sozinha, na idade adulta, à grande aventura da vida. Mas nem todas as crianças com família e quatro paredes sólidas em seu redor são felizes. Em vez de contarem com o amor de adultos responsáveis, elas sofrem estupros e carícias obscenas. Em lugar do cuidado que a sua fragilidade física e emocional requer, elas são confrontadas com surras e violência psicológica para que fiquem caladas e continuem a ser violadas por seus algozes impunes. No vasto cardápio de vilezas que um ser humano é capaz de perpetrar contra um semelhante, o abuso sexual de meninas e meninos é dos mais abjetos - em especial quando é cometido por familiares. Para nosso horror, essa é uma situação mais comum do que a imaginação ousa conceber. Estima-se que, no Brasil, a cada dia, 165 crianças ou adolescentes sejam vítimas de abuso sexual. A esmagadora maioria deles, dentro de seus lares.
A frequência intolerável com que esse tipo de crime ocorre no país ficou evidente com a divulgação do caso da menina G.M.B.S., engravidada pelo padrasto aos 9 anos de idade, em Pernambuco. Sua mãe decidiu que ela, grávida de gêmeos, deveria ser submetida a um aborto. Quando, há três semanas, G. chegou ao hospital carregando uma sacola de brinquedos, os médicos encarregados do procedimento ficaram atônitos: não tinham ideia da quantidade de medicamentos que deveriam usar numa gestante tão diminuta - G. mede 1,36 metro e pesava então 33 quilos. "Nunca havíamos atendido uma criança tão pequena", disse o médico Sérgio Cabral. O caso de G. chamou atenção por causa da polêmica sobre o aborto a que, no fim, ela se submeteu, amparada pela lei que autoriza a intervenção nas situações em que a mãe corre risco de vida. Já a gravidez de G., e mesmo a situação que resultou nela, causa menos escândalo no país do que deveria.
Alguns casos :
"Meu pai me pegava com força, segurava meus braços e tapava minha boca. Depois colocava uma coisa dura em mim. Ele me molhava com uma coisa quente." M., de 8 anos.
"Ele me deu bombons e me levou para o terreno da casa dele. Tirou minha roupa de baixo e colocou o pipiu dele. Doeu muito, eu chorei e ele deu bombons de novo." C., de 7 anos, abusada pelo vizinho.
"Quando minha mãe não estava em casa, ele tirava minha roupa de baixo, passava a mão e me abraçava apertado. Passava a mão nos meus peitos e ameaçava bater se eu contasse para alguém." R., de 9 anos, abusada pelo padrasto.Acho que nunca vou superar
MEDO
A dona-de-casa cujo filho foi molestado pelo professor: "Não confio mais em ninguém" "Um dia, abri o Orkut do meu filho, que tinha 10 anos. Fiquei cega quando vi o e-mail de um homem que dava a entender que tinha feito o pior com ele. Conversamos, ele chorou e contou que o professor de informática havia feito sexo oral nele e tentado beijá-lo. Senti ódio. Registrei queixa na polícia e ele teve de fazer exame de corpo de delito. Foi horrível, nunca vou esquecer a cena: meu filho deitado em posição ginecológica para a perícia. Ele me odiou por fazê-lo passar por aquele constrangimento. Depois disso tudo, ficou agressivo. Começou a mexer com as meninas na escola e fazer brincadeiras bobas com os meninos. Acho que aquilo mexeu com a sua sexualidade. Não tenho mais coragem de ficar longe dele e dos meus outros filhos, nem de deixá-los com ninguém. Perdi a confiança em todo mundo." R.S.B.S., 33 anos, dona-de-casa (São Paulo-SP)
"Ele me levou para o quarto e me estuprou"
|
DUPLA DORQuando T. contou à mãe que o padrasto abusou dela, ouviu que, "se durou tanto, ela devia estar gostando" |