Linguagens do amor (1) – O toque passional

09/07/2011 17:13

 

Toque passional

No primeiro post dessa série, expliquei a abordagem, listei as várias linguagens e pedi a mão das mulheres. Ainda não recebi fotos para todos os tipos de toques. Meninas, colaborem (instruções aqui)! A imagem acima foi gentilmente enviada por uma das leitoras do Não2Não1.

Grandes histórias de amor começam com o toque passional, que depois dá espaço a todos os outros. Então é por ele que vamos começar. Antes de ler, abra outra aba e deixei rolando isso aqui: Tori Amos – Sweet the Sting.

A ação passional do amor

Durante a paixão, acompanhamos, atentos, cada gesto do outro. Sentimos a respiração, antecipamos movimentos, perguntamos, olhamos. Há um genuíno interesse, uma espécie de curiosidade que se empalidece com o tempo. Sem falar na generosidade… Somos capazes de ouvir histórias que duram horas, ir buscá-la em outra cidade, esperar. Tudo sem hesitação, com toda a energia e estabilidade do mundo. A paixão nos deixa vivos, nos acorda, faz brotar o melhor de nós.

Ultimamente venho pensando se a paixão não nos ensina mais sobre o amor incondicional do que o chamado “amor puro”. A paixão nos tira de nós mesmos, quebra nossa rotina, direciona nossa energia à felicidade do outro e ainda nos deixa com todo o ânimo do mundo. Se liberada do apego, ela não seria o melhor que o amor pode ser?

(Trecho de “Feast of Love: o fim já está desde sempre no começo”)

 

A paixão é uma das linguagens do amor. Ela não é algo diferente, conforme dita nosso imaginário coletivo; pelo contrário, ela expressa o amor. Alguns mestres budistas definem o amor como a capacidade de ver qualidades positivas nos outros e agir para elas floresçam. Não vejo diferença para a concepção de Espinosa, para citar só um exemplo da filosofia ocidental, que vê no amor a ação que aumenta a potência vital do outro, que o faz ser mais. Ora, o que é a paixão senão a encenação que nos leva a ir aos extremos do amor? Movidos por uma paixão, vemos não só qualidades positivas, mas até mesmo o que o outro ainda não é. O outro brilha para nós, fica mais bonito a cada dia que o conhecemos, revela gestos e ângulos que nos fascinam. Através de nossos olhos, ele nasce para si mesmo, novo, fresco, como nunca foi.

O problema não está propriamente na paixão tanto quanto no fato desse processo acontecer sem autonomia, sem que lucidamente nos vejamos como construtores, em vez de vítimas, do envolvimento. Por não sabermos a origem (“Que delícia! Do nada, rolou química e agora estou louco por ele!”), não sabemos o fim (“Ele tem uns hábitos que me irritam, não consigo mais ficar perto dele”). Sem saber, no início, nossos olhos focaram qualidades positivas e construíram um princípe, uma deusa. Igualmente sem saber, não demorou para que nossos olhos, de modo ativo, iluminassem características negativas, criando um monstro à nossa frente.

Se a paixão for vista como uma linguagem do amor, como um dos modos de expandir o corpo e a mente do outro, será mais fácil entendermos que podemos construi-la, em vez de deixá-la na mão da “química”. Por que isso é tão importante? Dou um exemplo: em um relacionamento de 6 anos, com seus hábitos e vícios, se nenhum dos amantes souber usar o toque passional, será bastante arriscado depender do retorno da insondável “química”.

Você não sabe por que e não lembra quando deixou de gostar dele. Isso não deveria ser surpresa, afinal você sabe por que ou se lembra quando começou a gostar de pizza de palmito? Tudo aquilo que não construímos de modo autônomo (da paixão com uma mulher a nossos projetos profissionais) vai se virar contra nós em algum momento ou, sem aviso, nos abandonar. Ainda que essa seja nossa sensação, eis o que de fato acontece: somos o tempo todo livres e nunca paramos de construir mundos, mas, como não sabemos disso, construímos experiências positivas (que parecem vir do nada, a tal da “química”) e, do nada, passamos a construir experiências negativas e extremamente dolorosas.

Somente se a paixão for uma ação do amor, livre de carência ou desejo de poder, é que teremos alguma chance de construir relacionamentos lúcidos. Daí a importância de aprender essa linguagem e saber movimentar nossa mão de modo autônomo. Realmente tocar, em vez de só ser tocado.

Envolver e excitar: os dois toques da paixão

Linguagem passionalVocê deixa um sabonete de chocolate com maracujá no banheiro dela. Envia músicas e poemas por email, SMS de madrugada, flores para o escritório onde ela trabalha. Você limpa a sala, acende velas, coloca Norah Jones para tocar. Cria todo um ambiente amoroso em torno da vida do outro, expande sua presença, tinge momentos e paredes. O toque passional envolve o outro.

Dentro do ambiente que você criou, o outro relaxa. Vocês dançam, se abraçam e outro toque começa a dominar. Sua língua percorre o queixo, o pescoço, o colo. Sua boca assume diversas posições. A mão não pára. Os dentes, os olhos, as pernas… Você testa pressões, movimentos, circulações, respirações. Puxa, arrasta, desliza, esconde, resvala, treme, esfrega, arranha o outro. O toque passional excita.

Enquanto a excitação é o estímulo de um ponto específico (seja o clitóris ou a glande, a orelha ou a parte atrás dos joelhos), a sedução se dá pelo envolvimento de todos os pontos da realidade do outro. Sem envolvimento, a excitação machuca, vira estupro. Sem excitação, o envolvimento perde o sentido, nunca se completa – desejo sem gozo. A paixão se faz quando os dois toques se unem, quando você dá um tapa na cara à luz de velas.

Trilha sonora

Observando letra e melodia, escolhi 3 músicas que expressam a linguagem passional. Cada uma delas ativa nosso corpo na direção da paixão. Assim que sentimos a batida, relaxamos o abdômen, encaixamos o quadril, dobramos levemente os joelhos, soltamos os ombros e abrimos a mão. Faça o teste. Elas nos tiram a rigidez e injetam malícia. São um longo carinho, toque contínuo, ora sacana e excitante, ora profundo e envolvente. Uma ótima trilha sonora para noites de sexo irrestrito.

 

Para uma massagem passional

Estou usando aqui uma concepção mais ampla de “massagem”. Quando eu tratar de “massagem lúdica”, por exemplo, ficará claro que me refiro ao modo pelo qual surgimos ao outro, ao jeito que o tocamos com todas as nossas ações, à textura de nossa pele, interface da relação.

Refletir sobre o toque pode levar a percepções inusitadas. O que diferencia o toque de um e de outro? A mão pode ser parecida, mesma textura e temperatura, o movimento também, o ritmo… Tem algo, contudo, que sempre é diferente. É como se o outro não nos tocasse com a pele, mas com todo o seu mundo, suas visões, emoções e experiências passadas. É ele inteiro que nos toca. Em relações desgastadas, por exemplo, ambos ficam anestesiados e nenhum toque consegue provocar algo. Isto porque o toque nada tem a ver com mãos e peles.

Desse modo, em vez de listar técnicas de imposição das mãos, óleos de massagem ou artimanhas de sedução, prefiro tratar da postura, do posicionamento corporal que dá vazão à paixão. Em uma relação longa, por exemplo, para envolver e excitar, é preciso, no mínimo, cultivar curiosidade, generosidade e malícia:

Curiosidade: Recentemente, conheci uma pessoa que sempre tem uma história para contar sobre qualquer assunto imaginável. Viagens, noitadas, família, amores… Ela se delicia falando de si mesma. No entanto, não demonstra interesse algum pela minha vida. Sou só eu quem faz as perguntas, não há troca. Recomenda mil músicas, mas as que eu indico ela não ouve. Infelizmente muitas vezes somos assim com quem amamos. Após alguns anos (ou meses) de relação, é natural que o outro comece a habitar locais que desconhecemos, a incorporar identidades que ainda não tocamos. Para evitar que ele suma completamente, ouça as músicas que ele ouve. A curiosidade tem de ser prática diária. É preciso olhar com interesse para cada cantinho escondido nas vidas ao nosso redor. Ir atrás dos outros.

Generosidade: Com a prática da curiosidade, chegamos até o outro, vemos onde ele mora. E então podemos talvez pintar uma parede, trocar o CD e pedir uma pizza. De dentro da casa do outro, vamos oferecer experiências, sensações e sabores. Descobrimos onde é o banheiro e deixamos ali o tal do sabonete de chocolate com maracujá. Vamos envolvê-lo. A generosidade surge naturalmente quando vemos que proporcionar alegria aos outros é o modo mais inteligente de ser feliz.

Malícia: Deixar o sabonete no banheiro não basta: o outro vai gostar, mas depois de uma semana seu banho voltará ao normal. Para continuar a abri-lo, para deixá-lo vivo, vamos ter de ser mais ousados. Vamos abrir a porta do banheiro e surpreendê-lo. Muitas vezes precisamos quebrar coerências, transgredir regras, desrespeitar os outros. Nosso objetivo é abri-los, não agradá-los. Tal liberdade é um dos aspectos do que chamamos de malícia. O outro é a leveza: não dar solidez às coisas, não levar nada muito a sério, ser flexível em relação a todas as significações e contextos. Quando ela diz “Não faça isso, não quero, não gosto”, ele a desrespeita e faz com toda a intensidade até que ela admita: “Eu nunca vivi isso antes… Sempre quis algo assim”. A sensibilidade dele supera até mesmo o entendimento que ela tem de si mesma.

Malícia é plasticidade. Como já escrevi antes, eis por que as mulheres adoram homens que as fazem rir. Da primeira gargalhada até o orgasmo, o processo é o mesmo. A malícia faz o trabalho completo: envolve e excita.

* Dedicado aos casais que há tempos não se olham com curiosidade, generosidade ou malícia. Àqueles que se esqueceram de se envolver e excitar. Que todos possamos perceber que o outro não precisa despertar paixão em nós. Basta irmos atrás dele e criarmos paixão com nossos dedos.