Pela primeira vez, as cirurgias de implante de silicone ultrapassam as de lipoaspiração no Brasil. Entre as razões está uma nova estética feminina
Martha Mendonça e Fernanda Colavitti
MODELO AMERICANO
O silicone era coisa de atriz e manequim. Hoje, ele invadiu a classe média, que segue o modelo da mulher americana
“Parece que estão vendendo silicone na feira.” A frase jocosa foi dita recentemente pela apresentadora de TV Adriane Galisteu. A realidade, descrita por uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, é pouco mais sóbria, mas vai na mesma direção: pela primeira vez no país, os implantes de silicone tomaram a dianteira no ranking das cirurgias estéticas, passando à frente das lipoaspirações. Do total brasileiro de 629 mil plásticas por ano, 96 mil são para aumento de mamas, 5 mil a mais que as de lipoaspiração. O silicone não é vendido na feira, mas um número crescente de brasileiras estão ficando peitudas. Entre as razões por trás da multiplicação de mamas G e GG, três se destacam: a facilidade de pagamento das operações, uma nova estética americanizada e a maior segurança cirúrgica no implante. Juntas, essas novas circunstâncias fizeram com que o silicone, que antes era coisa de atriz e modelo, invadisse a classe média e atiçasse o desejo das mulheres de todas as classes e idades.
A estudante paulista Bruna Medeiros fez 20 anos no mês passado e passou o aniversário turbinada. O pai e as duas irmãs se juntaram para presenteá-la com o implante de 300 mililitros, que custou R$ 6 mil e foi pago em três parcelas. Era um desejo dela desde os 14 anos. “Eu sempre dizia que, se tivesse dinheiro, já teria feito antes. Estou me sentindo bem demais”, afirma. Trinta anos mais velha que Bruna, a psicóloga carioca Terezinha Moura, casada, uma filha, também comemorou o aniversário com novo tamanho de sutiã. Aos 50 anos, ela se deu um implante de silicone. Seus seios tinham, em suas próprias palavras, “aparência de ovo frito”. Foi ao médico e colocou 255 mililitros de cada lado. Pagou cerca de R$ 8 mil, divididos em 12 vezes. “Foi o maior investimento que já fiz”, afirma.
Está claro que o fenômeno é geral e atinge mulheres dos 20 aos 50, pelo menos. Mas o que há por trás dele? A antropóloga Liliane Brum Ribeiro diz que existe uma ligação entre a cirurgia plástica e a construção do modelo de feminilidade. Em sua tese de doutorado, na Universidade de Santa Catarina, ela foi a campo entrevistar mulheres de todas as idades e classes sociais que fizeram intervenções. Entre os discursos sobre a decisão de mudar o corpo, ela ouviu que os peitos são o maior diferencial entre os gêneros. “Uma das moças pesquisadas me disse que ‘bumbum todo mundo tem, mas seios, só as mulheres’. É uma forma de ressaltar quanto se é feminina. Isso constitui um valor fundamental nos dias de hoje”, diz. Algumas mulheres chegam ao êxtase com o aumento da mama. A atriz Sthefany Brito, de 21 anos – conhecida como a noiva do jogador de futebol Alexandre Pato –, depois de avolumar o visual com 220 mililitros nos seios, declarou à imprensa que “berrou de felicidade” ainda na cama do hospital.
96 mil
brasileiras colocaram silicone em um ano
Quando essa forma de ressaltar a feminilidade tornou-se socialmente perceptível, no início dos anos 1990, era preciso coragem para enfrentar os bisturis. As próteses usadas eram as chamadas “lisas”. O gel interno era quase líquido e a tendência era de a membrana que o revestia, muito fina, romper. Complicações eram comuns. Uma das maiores era a contratura capsular, o famoso enrijecimento do silicone, que fazia a membrana estourar. “As próteses lisas deixavam as pacientes descontentes. Era preciso mexer toda hora”, diz o cirurgião plástico carioca Luiz Haroldo Pereira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Em meados da década de 1990, vieram as próteses texturizadas e as revestidas de poliuretano, que, segundo os médicos, têm índices de contratura de 5%. “Atualmente, usamos de cinco a seis membranas de revestimentos e o silicone é bastante coeso. Mesmo se a prótese furar, não vai derramar nenhum líquido”, afirma Pereira.
A evolução dos recursos de diagnóstico também deu mais segurança a quem quer fazer implante. Até alguns anos atrás, o silicone atrapalhava a detecção precoce do câncer no seio. Hoje, com a ressonância magnética, isso não acontece. “Na maioria das vezes, a prótese é colocada debaixo do tecido mamário, não submuscular. A mama fica mais para a frente e, possivelmente, há ainda mais facilidade de se sentir um nódulo mais denso”, diz Ângela Carvalho Maximiano, cirurgiã plástica do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Custo facilitado e segurança maior, no entanto, não valeriam nada se não fosse a mudança do desejo feminino. Nos últimos 12 anos, segundo a SBCP, os implantes quadruplicaram, resultado de um vagaroso processo de mudança de padrão ocorrido nas décadas anteriores. Do modelo morena-farta-de-bumbum-grande-e-peito-pequeno, que construiu mitos como Sônia Braga, Claudia Raia e Valéria Valenssa, a Globeleza, as mulheres passaram a almejar seios grandes e cabelos claros num corpo cada vez mais magro. “As mulheres não querem mais ficar com a mama desproporcional ao quadril”, diz o atual presidente da SBCP, José Tariki. Segundo ele, há dois perfis crescentes: mulheres entre 30 e 40 anos que querem recompor o volume, depois da gravidez, e adolescentes de 17, 18 anos que não tiveram a mama desenvolvida.
Autora do livro Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino do Brasil, a historiadora Mary Del Priore destaca dois acontecimentos que contribuíram para construir o novo padrão. Primeiro, a invasão da Barbie no Brasil, nos anos 80. Com ela veio o modelo de corpo americano, com cintura fina e peitão, formando a estética das meninas. Ao mesmo tempo, a difusão do body building, que começou com os vídeos de ginástica de Jane Fonda, trouxe a noção de que o corpo feminino era algo que poderia ser construído. “Estamos vendo a americanização do corpo da mulher brasileira”, afirma a historiadora.